Agora, considere que toda a constelação de produtos que estão à nossa disposição, minuto-a-minuto, depende da precisão com a qual as empresas são capazes de promover o encontro de seus produtos e serviços, no momento certo, com você.
(Ilustração: San Picciarelli)
Aqueles que dizem que o mercado eletrônico é um universo enorme, democrático, com lugar para tudo e todos, certamente não sabem o quanto custa destacar-se em um cenário extremamente disputado e estreito: o da sua atenção.As vendas mais bem-sucedidas são aquelas que atraem a quantidade ideal de atenção do consumidor, mas também o fazem em um momento igualmente específico e bem calculado. É um delicado jogo de colocar a melhor quantidade de produtos da prateleira diante de compradores disponíveis, na hora e lugares certos.
O que determina a regra desse jogo são dados relevantes a respeito do consumidor. Em épocas onde se tinha que minerar essas informações "artesanalmente", via pesquisas e indicadores estatísticos, ganhava a marca que conhecesse melhor os seus clientes. Quantas vezes você não ouviu a máxima que apregoa que "conhecer bem o seu cliente é promover o seu negócio?". Lógico, isso ainda vale. Mas embora ainda custe uma boa massa conhecer seu cliente, não dá mais tanto trabalho assim. Isso é bom, mas também implica certos problemas.
Hoje, é muito mais fácil e simples conhecer o consumidor. Para o hype ou à-granel, essa informação está a venda, e desde que você tenha dinheiro e procure no lugar certo, é possível saber para quem e quando vender muito mais rapidamente.
Os smartphones se tornaram dispositivos sofisticados de georastreamento, e a medida que evoluem vão se convertendo, literalmente, nos melhores registradores de comportamento social e hábitos de consumo em toda a história das comunicações.
Nos EUA, por exemplo, a operadora Verizon alterou agora em Outubro os termos de privacidade de seus contratos de maneira que permitam a gravação de dados e histórico de navegação online, combinando-os com informações como gênero, faixa social, idade e localização junto a uma base de milhares de outros clientes.
É exatamente essa a informação que o fabricante da sua próxima TV, seu Pet Shop, seu médico familiar ou seu restaurante favorito estão comprando aos mais altos preços.
É óbvio que promover a melhoria da experiência comercial do consumidor é algo extremamente bem-vindo. Entretanto, considerando o que é necessário para que esse cenário de preferências seja composto, o panorama de questões relacionadas à segurança e à privacidade, tudo muda um pouco de figura; e não para muito bem.
Outras operadoras como a AT&T, Sprint e até mesmo as nossas continuam jurando de pés-juntos que não vendem informações pessoais de seus clientes para terceiros, porém, fazem diariamente um bocado de dinheiro com elas.
Eu mesmo me canso de receber Spam da própria operadora via SMS, o que inclusive me forçou a uma reclamação direta com o atendimento ao consumidor (da TIM) para exigir que a baderna fosse interrompida.
Além da venda injetada de serviços internos como pacotes de mensagens e dados, as operadoras tem o indigesto hábito de oferecer promoções incríveis para produtos que você não está nem aí para eles. Ou seja: nossos dados têm sido vendidos para qualquer um e nem ao menos o melhor dos filtros e segmentação chegou por aqui ainda?
Lá fora, como no Japão, por exemplo, já se pode avaliar quando você está a caminho de uma estação de metrô em particular, e tão logo você chegue lá, uma mensagem vai lhe alertar que aquela lanchonete que você gosta está oferecendo um desconto 'hoje' para antigos clientes naquele combo. Lindo? Nem por isso.
Só se o negócio acontecer entre você, a lanchonete e sua operadora. Se mais alguém tiver acesso a essa informação, você nem sequer precisa ser seguido e pode, facilmente, ser 'monitorado' até chegar em casa.
Se levarmos em conta que as operadoras estão começando a alterar seus termos de uso para que possam promover a mercantilização de conteúdo pessoal e comportamental de seus clientes - e considerando que ninguém se incomode muito ou reclame - não é muito difícil imaginar como é que essa banda vai tocar em um futuro muito próximo.
Apesar de a Verizon ter sido a primeira a revelar publicamente que está, de fato, no negócio de vender essas informações para quem pagar mais, é razoável esperarmos que outras operadoras façam o mesmo.
Adicionando ao mesmo cenário, além das operadoras de telefonia estão os próprios fabricantes. A própria HTC foi flagrada pelo conhecido grupo de hackers e modders do XDA Forum, inserindo códigos cheios de segundas intenções em seus smartphones.
A marmotagem, literalmente, grava tudo o que o usuário faz, quais programas abre e sua localização geográfica, enviando silenciosamente estas informações de volta para os seus servidores. O que diz a HTC? Problema seu. Você clicou sim quando aceitou os termos de uso e ignorou a letra miúda.
A Motorola já se defendeu de diversas reprimendas de seus usuários a respeito da manipulação de seus dados e hábitos pessoais com fins comerciais. Algo que ela sempre negou.
"No final das contas, estamos chegando a um ponto onde os clientes são os produtos que estas empresas estão vendendo", diz Nasir Memon, professor de ciência da computação do Instituto Politécnico da Universidade de Nova Iorque. "Eles estão criando um playground para atrair as pessoas, para depois 'vendê-las' para os anunciantes. As pessoas são o seu novo negócio".
Jeff Chester, atual diretor do CDD (Centro para Democracia Digital, EUA) diz que a Verizon apenas "revelou a estratégia dessa indústria", e está convencido de que o avanço de tecnologias como NFC (near-field communication) e serviços como o Google Wallet, bem como o de novos modelos de geo-business online, trará "uma nova caça ao tesouro no mercado, onde as operadoras colherão retornos financeiros gigantescos ao dominarem seus mercados locais de propaganda" por meio do uso de informações de seus clientes.
Brian Kennish, ex-DoubleClick e atualmente líder da Disconnect (uma ferramenta de privacidade online), opina dizendo que "as páginas de internet que frequentamos são as coisas mais próximas de nossos pensamentos, e até os mais particulares de todos, podem ser gravados (…) Se a Verizon tiver êxito em sustentar sua nova posição, estou certo de que outras empresas a seguirão"
E conclui: "Apesar de todas as recentes discussões sobre privacidade, as coisas só vão piorar".
(Fonte - TechTudo)
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