terça-feira, 11 de setembro de 2012

Single Player is dead. Respawning in 3, 2, 1…

Meu amigo Rafael Damiani (que já havia me apresentado ao gênero “tiro em primeira pessoa” com Wolfenstein 3D e DOOM no começo dos anos 90) me chamou à sua casa, ofereceu-me sua honrosa cadeira em frente ao PC, fechou as cortinas, ajustou as caixas de áudio e disse para que eu me preparasse para jogar algo diferente. O som de rodas sobre trilhos subiu gradualmente e a tela clareou – eu estava a bordo de um bonde elétrico cuja única compania era a voz feminina que anunciava tranqüila nos auto falantes:
            “Bom dia, e seja bem vindo ao sistema de trânsito de Black Mesa”.
Go Freeman! (Foto: Go Freeman!) 
Go Freeman! (Foto: Reprodução)
Conforme os créditos surgiam sutilmente como em um filme, eu apreciava através das janelas o caminho percorrido pelo veículo, sem me dar conta de que estava literalmente embarcando em uma das maiores experiências da história dos Video Games: HALF-LIFE ensinou jogadores e desenvolvedores a contar uma história interessante em um gênero de experiência interativa que até então era sinônimo de tiroteio descerebrado.
Mas foi só quando os militares entraram que eu percebi que esse paradigma tinha de fato mudado.
Para quem não conhece Half-Life, em dado momento do jogo os laboratórios são invadidos por uma força militar, cuja missão é eliminar não somente a ameaça interdimensional, mas também todas as testemunhas, incluindo a tia do café. No melhor estilo John McClane, você (até então apenas mais um físico teórico do lugar) pega uma metralhadora e se recusa a ser executado. Durante um desses tiroteios, me vi cercado em uma área de construção e joguei-me dentro de um contêiner, seguro de que ali teria tempo para repensar minha estrat–
(“tlim, tlim”, soa a granada arremessada pelo lado de fora e parando sobre meus pés. Som de explosão. Assístole. Game Over.)
Acredite, leitor jovencito; em 1994 isso não era terreno comum. Para o jogador que combatia inteligências artificiais desde os primórdios dos Video Games, enganar um inimigo virtual era tão simples quanto o velho-truque-de-se-vestir-de-mulher-para-enganar-o-caçador do Pernalonga; uma vez que você soubesse como o inimigo pensava, bastavam as ferramentas certas para ludibriá-lo.
Mas agora as regras tinham mudado. Eles haviam dado um passo à frente, raciocinando e me caçando quase como pessoas de verdade fariam.
E pessoas de verdade já podia fazê-lo há tempos, claro (mesmo em Doom, que citei na linha cinco), mas a experiência Single Player sempre foi emocionalmente diferente da Multiplayer. Quando finalizei minha aventura como Gordon Freeman, dediquei milhares de horas à matança online de Half-Life e seus derivados Team Fortress Classic e Day of Defeat (e guardo lembranças épicas de cada um), mas quando paro para analisar, vejo que ser “perseguido” por uma inteligência – seja ela artificial ou não – sempre é muito mais interessante quando dentro de um contexto dramático. E é por isso que acho interessante quando vejo alguém sugerir que “o Single Player está fadado a desaparecer”.
Calma Ben... 
Calma Ben... (Foto: Reprodução)
In a world…
Há muitas luas atrás, o Multiplayer servia basicamente para manter viva a memória de um jogo; uma vez lançada a sequência, o valor daquele produto ainda estaria fresco dentro de você, aumentando as chances da compra. Com a chegada dos DLCs e Xbox Lives, a luz verde no escritório das produtoras acendeu – o problema é que empresas funcionam como zumbis: só pensam em uma coisa ($) e farão de tudo para obtê-la, mesmo que isso signifique destruir coisas bonitas. E quando os números sugerem que a massa dedica cada vez mais tempo aos jogos Multiplayer, o que os engravatados traduzem é “VAMOS ENFIAR MULTIPLAYER EM TUDO”.
A questão é que a experiência Multiplayer, em sua maioria, exige menos engajamento emocional do jogador do que a Single Player, muitas vezes resumindo-se à repetição do raciocínio mecânico em troca da recompensa rápida do prazer (a morte em uma sessão online de Halo ou Call of Duty é frívola quando comparada a de Darksouls ou Black, por exemplo). Quando termino Assassin’s Creed ou Metal Gear, sinto que fiz parte de um propósito; absorvi uma história e recebi uma ideologia com a experiência. Quando venço uma partida de Battlefield, sinto que matei BloodKiller99 mais vezes do que ele me matou.
O mundo precisa ser salvo! 
O mundo precisa ser salvo! (Foto: Reprodução)
Agora é hora de encerrar a coluna
Não estou necessariamente menosprezando as partidas Multiplayer (calma, leitor, CALMA!), mas ressaltando a diferença de contexto entre elas e o “modo história”. Sei que também há um investimento emocional no mundo Online (abraço para os amigos do Leroy), mas incentivar uma indústria focada apenas em Multiplayer me parece desperdiçar o alcance da mídia, semeando um terreno emburrecedor da próxima geração de jogadores.
Apesar desse receio, acredito que os que insinuam que o Single Player será extinto seguem a mesma estrada inocente daqueles que disseram que o Cinema morreria com a evolução dos Video Games (“ninguém mais vai querer assistir a um filme se pode participar de um”). Na minha visão, o Single Player não vai morrer, mas evoluir cada vez mais para algo que una seu poder cultural à cooperação e competitividade com outros jogadores. Afirmar que o “modo história vai acabar” é ignorar nossa própria antropologia: caçar mamutes em grupo é divertido e descompromissado, mas o que nos fez crescer como cultura foram as aventuras contadas ao redor da fogueira.
(Fonte - TechTudo)

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